Reportagem: ClicRBS (11/11/2017)
Por: RAFAEL THOMÉ - Diário Catarinense
O mar sempre volta para buscar aquilo que lhe é tomado. Sabedoria popular de quem vive no litoral, a frase nunca fez tanto sentido. Desde o início do inverno, as águas avançaram com força sobre as praias do litoral catarinense, arrancando estruturas de concreto, contorcendo vergalhões de ferro, derrubando construções de tijolos. Uma destruição implacável que já levou seis municípios do Estado a decretarem situação de emergência(SE).
Não há uma razão única para explicar a gravidade do desastre que ocorreu neste ano. Uma combinação incomum de fenômenos naturais, ressacas avassaladoras em diversos pontos do litoral do Estado, assustando moradores e turistas. Praias que antes tinham largas faixas de areia, como o praia do Matadeiro, na Ilha de SC ( Florianópolis), praia do Ervino, em São Francisco do Sul, praia de Balneário Camboriú e na praia central de Itapoá, todas foram tomadas pelo avanço do mar e, hoje, têm poucos metros de terra firme.
A soma de eventos meteorológicos extremos persistentes com a ocupação desordenada das praias, fazem parte dessa equação que resultou no severo processo de erosão no litoral catarinense. "Geralmente, isso ocorre em praias bem urbanizadas, que tiveram crescimento desordenado sem respeito a zona de proteção ( areas de restingas), zona de amortecimento natural". " É normal este processo erosivo nas dunas e restingas, o problema é quando tem ocupação urbana nessas áreas", afirma o gerente de monitoramento e alerta da Defesa Civil de Santa Catarina, Fred Rudorff.
A praia dos Ingleses, na Capital do Estado, foi uma das mais afetadas. Se dois anos atrás havia uma faixa de areia de quase 30 metros de largura, hoje são menos de 10 metros. Os moradores mais antigos garantem que isso acontece de tempos em tempos, mas que dessa vez o impacto foi maior por causa das construções.
"As pessoas invadiram as zonas de proteção. A Ilha de SC está perdendo a alma, e as bruxas estão revoltadas", sugere Valdir dos Santos, morador de 61 anos, mais conhecido como Valdir Mata-fome, figura característica da praia dos Ingleses.
Se há ou não revolta das bruxas, o fato é que entre os pesquisadores da área, a sensação é de que os moradores e os turistas terão que se adaptar, ao menos por algum tempo, às novas configurações das praias. Alguns arriscam que o prazo para uma recomposição da faixa varie de dois a três anos.
Segundo pesquisador do EPAGRI/CIRAM, os eventos de 2017 foram extremos. A recuperação da orla natural é lenta e depende de como a gente vai mexer na zona costeira. A natureza leva a areia, mas traz de volta. "A gente só não pode cometer mais besteira, como colocar pedra em tudo, porque isso pode contribuir ainda mais para a erosão no longo prazo", afirma Carlos Eduardo Salles de Araújo, pesquisador da Epagri/Ciram do grupo de monitoramento costeiro.
Mudanças climáticas
No Municipio de São Francisco do Sul, o avanço do mar causou estragos não só nas praias mais urbanizadas, como também naquelas mais inóspitas. Se em Itaguaçu, Ubatuba, Enseada e Prainha a erosão marítima afetou vias públicas, calçadões e a rede de iluminação, na Praia Grande e no Ervino, o mar engoliu parte da Avenida das Dunas, que chegou a ser interditada pela Defesa Civil municipal na altura do Parque Estadual Acaraí. Isso se explica por causa da sobreposição da maré meteorológica à maré astronômica, aliada às fortes ondulações de Leste na costa catarinense, mas há quem diga que é um sinal das mudanças climáticas que começam a dar as caras em todo o planeta como reflexo do aquecimento global.
"O que aconteceu com a Praia Grande, a quantidade de areia que o mar retirou, é uma coisa inexplicável". "A gente via efeitos parecidos esporadicamente, mas não nessa proporção. Acredito que o ser humano vai ter que recuar. Não sei se vamos estar aqui, mas em algum momento vamos ter que subir a serra. A gente também nunca tinha visto a chamada maré seca, esse grande recuo do mar", afirma Marcolino Ribeiro, morador da Prainha( São Francisco do Sul), comunicador que faz boletim de ondas há 18 anos.
Especialistas contestam que nível do mar está subindo
Apesar de reconhecer que as mudanças climáticas contribuem para o avanço dos eventos extremos, especialistas evitam atribuir essa causa somente aos fenomenos naturais. De acordo com o físico oceanógrafo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Felipe Pimenta, a hipótese de que o nível do mar está se elevando tem que ser refutada neste momento. "Se o nível do mar estivesse subindo, nós teríamos problemas em todas as praias. E não temos. O efeito é localizado, associado à orientação das praias e à maneira que elas interagem com ondulações e ventos atípicos". "O ambiente tem a variabilidade natural e, de ano a ano, vai funcionar de maneira mais ou menos previsível, mas a gente sabe que existem alterações no clima que podem ocorrer a cada seis ou sete anos, como o El Niño, por exemplo. Então, é possível que, em determinado momento, certa praia responda de maneira repentina, mas depois volte ao seu ciclo natural".
É essa a esperança de quem vive na faixa litorânea, especialmente nos municípios de Itapoá, Barra do Sul, Barra Velha, São Francisco do Sul, Navegantes e Florianópolis, onde diversas praias do litoral catarinense foram atingidas pelo avanço do mar neste ano de 2017.
Às vésperas de mais uma temporada de verão, oportunidade para muitos moradores aumentarem sua renda com o comércio, a expectativa é de que o mar recue para não prejudicar a movimentação de turistas. Segundo Leonel Pavan, foi realizado uma pesquisa recente com as agências de viagens e não sentimos nenhuma influência (das ressacas) até o momento. "A expectativa é de ter uma grande temporada, com aumento de 15% no número de turistas em relação ao ano passado (estimado em mais 8 milhões de pessoas em todo o Estado). O avanço do mar impactou, mas a natureza se recupera", afirma o secretário de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina, Leonel Pavan.
Apesar do otimismo do poder público, aqueles que vivem do comércio à beira-mar já começaram a sentir os efeitos das ressacas. Rita Ormond, de 51 anos, que é dona de uma loja de artigos de praia na Rua dos Tubarões, orla da praia dos Ingleses, lamenta a queda nas vendas. O comércio fica em um acesso proximo da orla, nos desastres, a praia virou uma grande pilha de escombros. Tem uns quatro ou cinco meses que estamos penando. As vendas caíram cerca de 80%. O pessoal saía da praia e passava direto aqui, mas depois dessas marés, entramos em desespero. O buxixo que a gente escuta é que vão limpar, então estamos esperançosas. Espero que mude até o verão, porque dependemos disso – afirma a comerciante.
Praia do Caldeirão, Sul da Ilha de Santa Catarina/ Out. 2017 |
Praia do Matadeiro - Out. 2017 |
Praia dos Ingleses - Out. 2017 |
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Rita Dutra
Pesquisadora do LAGECI UFSC
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